Man of convivtion - 1416
John huss nasceu em Hussenitz, um povoado de Boêmia, por volta do ano 1380. seus pais lhe deram a melhor educação que lhes permitiam as circunstâncias; e tendo adquirido um bom conhecimento dos clássicos numa escola privada, passou à universidade de Praga, onde logo deu provas de sua capacidade intelectual, e onde se destacou por sua diligencia e aplicação ao estudo.
Em 1398, Huss alcançou o nível de bacharel em divindade, e depois foi sucessivamente escolhido pastor da Igreja de Belém, em Praga, e decano e reitor da universidade. Nestas posições cumpriu seus deveres com grande fidelidade, e ao final se destacou de tal modo por sua predicação, que se conformava com as doutrinas de Wycliffe, que não era possível que pudesse fugir à atenção do Papa e de seus partidários, contra os que predicava com não pouca aspereza.
O reformista inglês Wycliffe havia acendido de tal modo a luz da reforma, que começou a iluminar os cantos mais tenebrosos do papado e da ignorância. Suas doutrinas se espalharam pela Boêmia, e foram bem recebidas por muitas pessoas, porém por ninguém tão particular como por John Huss e seu zeloso amigo e companheiro de martírio, Jerônimo de Praga.
O arcebispo de Praga, ao ver que os reformistas aumentavam a diário, emitiu um decreto para suprimir a dispersão contínua dos escritos de Wycliffe; no entanto, isto teve um efeito totalmente contrário ao esperado, porque serviu de estímulo para o zelo dos amigos destas doutrina, e quase toda a universidade se uniu para propagá-las.
Estreito aderente das doutrinas de Wycliffe, Huss se opus ao decreto do arcebispo, que contudo conseguiu uma bula do Papa, que lhe encarregava impedir a dispersão das doutrinas de Wycliffe em sua província. Em virtude desta bula, o arcebispo condenou os escritos de Wycliffe; também procedeu contra quatro doutores que não tinham entregado as cópias daquela teologia, e lhes proibiram, apesar de seus privilégios, predicar a consagração alguma. O doutor Huss, junto com alguns outros membros da universidade, protestaram contra estes procedimentos, e apelaram contra a sentença do arcebispo.
Ao saber o Papa da situação, concedeu uma comissão do cardeal Colonna, para que citasse a John Huss a comparecer pessoalmente na corte de Roma, a fim de responder a acusação que tinha sido apresentada em sua contra de predicar erros e heresias. O doutor Huss pediu ser escusado de comparecer pessoalmente, e era tão favorecido na Boêmia que o rei Wenceslau, a rainha, a nobreza e a universidade pediram ao Papa que dispensara seu comparecimento; também que não deixasse que o reino de Boêmia estiver sob acusação de heresia, senão que lhes for permitido predicar o Evangelho com liberdade em seus lugares de culto.
Três procuradores compareceram ante o cardeal Colonna em representação do doutor Huss. Trataram de escusar sua ausência, e disseram que estavam dispostos a responder em seu lugar. Mas o cardeal declarou contumaz a Huss, e por isso o excomungou. Os procuradores apelaram ao Papa, e designaram a quatro cardeais para que examinassem o processo. Estes comissionados confirmaram a sentença, e estenderam a excomunhão não só a Huss senão também a seus amigos e seguidores.
Huss apelou contra esta sentença a um futuro Concílio, porém sem êxito; e apesar da severidade do decreto e da conseguinte expulsão de sua igreja em Praga, se retirou a Hussenitz, sua cidade natal, onde continuou propagando sua nova doutrina, tanto desde o púlpito como com sua pluma.
As cartas que escreveu nesta época foram muito numerosas; e recopilou um tratado no qual mantinha que não se podia proibir de forma absoluta a leitura dos livros dos reformistas. Escreveu em defesa do livro de Wycliffe acerca da Trindade, e se manifestou abertamente em contra dos vícios do Papa, dos cardeais e do clero daqueles tempos corruptos. Escreveu também muitos outros livros, todos os quais redigiu com uma força argumentativa que facilitava enormemente a difusão de suas doutrinas.
No mês de novembro de 1414 se convocou um Concílio geral em Constança, Alemanha, com o único propósito, como se pretendia, de decidir entre uma disputa que estava então pendente entre três pessoas que contendiam pelo papado; porém seu verdadeiro motivo era esmagar o avanço da Reforma.
John Huss foi chamado a comparecer diante deste Concílio; para alentá-lo, o imperador lhe enviou um salvo-conduto. As cortesias e inclusive a reverência com que Huss se encontrou pelo caminho eram inimagináveis. Pelas ruas que passava, e inclusive pelas estradas, se aglomerava a gente as quais o respeito, mais que a curiosidade, levava até lá.
Foi levado à cidade em meio de grandes aclamações, e se pode dizer que passou pela Alemanha em triunfo. Não podia deixar de expressar sua surpresa ante o tratamento que lhe dispensavam. "Pensava eu (disse) que era um proscrito. Agora vejo que meus piores inimigos estão na Boêmia".
Tão logo como Huss chegou a Constança, tomou um alojamento numa parte afastada da cidade. Pouco depois de sua chegada, veio um tal Stephen Paletz, quem tinha sido contratado pelo clero de Praga para apresentar as acusações em sua contra. A Paletz se uniu posteriormente Miguel de Cassis, de parte da corte de Roma. Estes dois se declararam seus acusadores, e redigiram um conjunto de artigos em contra dele, que apresentaram ao Papa e aos prelados do Concílio.
Quando se soube que estava na cidade, foi arrestado imediatamente, e constituído prisioneiro numa câmara do palácio. Esta violação da lei comum e da justiça foi observada em particular por um dos amigos de Huss, quem aduziu o salvo-conduto imperial; porém o Papa replicou que ele nunca tinha concedido nenhum salvo-conduto, e que não estava sujeito pelo do imperador.
Enquanto Huss esteve encerrado, o Concílio agiu como Inquisição. Condenaram as doutrinas de Wycliffe, e inclusive ordenaram que seus restos fossem exumados e queimados, ordens que foram estritamente cumpridas. Nesse ínterim, a nobreza da Boêmia e da Polônia intercedeu intensamente por Huss, e prevaleceram até o ponto de impedir que for julgado sem ser ouvido, coisa que tinha sido a intenção dos comissionados designados para julgá-lo.
Quando o fizeram comparecer diante do Concílio, leram-lhe os artigos redigidos contra ele; eram por volta de uns quarenta, maiormente extraídos de seus escritos.
A resposta de John Huss foi: "Apelei ao Papa e, morto ele, e não tendo sido decidida minha causa, apelei do mesmo modo a seu sucessor João XXIII, e não podendo lograr meus advogados que me admitisse em sua presença para defender minha causa, apelei ao sumo juiz, Cristo".
Tendo dito Huss estas coisas, foi-lhe perguntado se havia recebido a absolvição do Papa ou não. Ele respondeu: "Não". Depois, quando lhe perguntou se era legítimo que apelasse a Cristo, John Huss respondeu: "Em verdade afirmo aqui diante de todos vós outros que não há apelação mais justa nem mais eficaz que a que se faz a Cristo, porquanto a lei determina que apelar não é outra cousa que, quando for cometido um mal por parte de um juiz inferior, se implora e pede ajuda de mãos de um juiz superior. E quem é maior Juiz que Cristo? Quem, digo eu. Pode conhecer ou julgar a questão com maior justiça ou eqüidade? Pois dEle não há engano, nem Ele pode ser enganado por ninguém; e acaso pode alguém dar melhor ajuda que Ele aos pobres e aos oprimidos?" Enquanto John Huss, com rosto devoto e sóbrio, falava e pronunciava estas palavras, estava sendo ridicularizado e escarnecido por todo o Concílio.
Estas excelentes expressões foram consideradas como manifestações de traição, e tenderam a inflamar seus adversários. Por isso, os bispos designados pelo Concílio o privaram de seus hábitos sacerdotais, o degradaram, lhe colocaram uma mitra de papel na cabeça com demônios pintados nela, com esta expressão: "Líder de hereges". Ao ver isto, ele disse: "Meu Senhor Jesus Cristo, por minha causa, levou uma coroa de espinhos. Por que não iria eu, então, levar esta ligeira coroa, por ignominiosa que seja? Em verdade vou levá-la, e de boa vontade". Quando a colocaram em sua cabeça, o bispo disse: "Agora encomendamos tua alma ao demônio". "Porém eu", disse John Huss, levantando os olhos ao céu, "encomendo em tuas mãos, oh Senhor Jesus Cristo, meu espírito que Tu remiste".
Quando o amarraram à estaca com a corrente, disse, com rosto sorridente: "Meu Senhor Jesus foi amarrado com uma corrente mais dura que esta por minha causa; por que deveria eu envergonhar-me desta, tão enferrujada?".
Quando empilharam a lenha até o pescoço, o duque de Baviera esteve muito solícito com ele, desejando-lhe que se desdissesse. "Não", disse-lhe Huss, "nunca prediquei doutrina alguma com más tendências, e o que ensinaram meus lábios o selarei agora com meu sangue". Depois disse ao algoz: "Vai assar um ganso (sendo que Huss significa ganso em língua boêmia), porém dentro de um século te encontrarás com um cisne que não poderás nem assar nem cozer". Se ele disse uma profecia, devia referir-se a Martinho Lutero, que apareceu após uns cem anos, e em cujo escudo de armas figurava um cisne.
Finalmente aplicaram o fogo à lenha, e então nosso mártir cantou um hino com voz tão forte e alegre que foi ouvido através do crepitar da lenha e do fragor da multidão. Finalmente, sua voz foi silenciada pela força das labaredas, que logo puseram fim a sua existência.
Então, com grande diligência, reunindo as cinzas, as lançaram no rio Rhin, para que não sobrasse o menos resto daquele homem sobre a terra, cuja memória,contudo, não poderá ser abolida das mentes dos piedosos nem pelo fogo, nem por água, nem por tormento algum.
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