1 de julho de 2012

Perseguições na Alemanha

 

As perseguições gerais na Alemanha foram principalmente causadas pelas doutrinas e o ministério de Martinho Lutero. O certo é que o Papa ficou tão alarmado pelo êxito do corajoso reformador que decidiu utilizar o Imperador Carlos V, a qualquer preço, no plano para tentar sua extirpação.

Para este fim:

1) Deu ao imperador duzentas mil coroas em efetivo.

2) Prometeu manter doze mil infantes e cinco mil tropas de cavalaria, pelo espaço de seis meses, ou durante uma campanha.

3) Permitiu ao imperador receber a metade dos ingressos do clero do imperador durante a guerra.

4) Permitiu ao imperador hipotecar as fincas das abadias por quinhentas mil coroas, para ajudar na empresa das hostilidades contra os protestantes.

Assim incitado e apoiado, o imperador empreendeu a extirpação dos protestantes, contra os que, de todas formas, tinha um ódio pessoal; e para este propósito se levantou um poderoso exército na Alemanha, Espanha e Itália.

Enquanto isso, os príncipes protestantes constituíram uma poderosa confederação, para repelir o iminente ataque. Se levantou um grande exército, e se deu seu mando ao eleitor da Saxônia e ao landgrave [1] de Hesse. As forças imperiais eram comandadas pessoalmente pelo imperador da Alemanha, e os olhos de toda a Europa se dirigiram ao foco da guerra.

Finalmente os exércitos chocaram, e se livrou uma furiosa batalha, na qual os protestantes foram derrotados, e o eleitor da Saxônia e o landgrave de Hesse feitos prisioneiros. Este golpe fatal foi sucedido por uma horrorosa perseguição, cuja dureza foi tal que o exílio podia considerar-se uma sorte suave, e o ocultar-se num tenebroso bosque como uma felicidade. Em tais tempos, uma cova é um palácio, uma rocha um leito de penas, e as raízes, manjares.

Os que foram capturados sofreram as mais cruéis torturas que podiam inventar as imaginações infernais; e por sua constância deram prova de que um verdadeiro cristão pode vencer todas as dificuldades, e apesar de todos os perigos ganhar a coroa do martírio.

Henrique Voes e João Esch, apreendidos como protestantes, foram levados ao interrogatório. Voes, respondendo por si mesmo e pelo outro, deu as seguintes respostas a algumas das perguntas que lhes fez o sacerdote, que os examinou por ordem da magistratura.

Sacerdote: Não éreis vós dois, alguns anos atrás, frades agostinianos?

Voes: Sim.

Sacerdote: Como é que tendes abandonado o seio da Igreja de Roma?

Voes: Por causa de suas abominações.

Sacerdote: Em que credes?

Voes: No Antigo e Novo Testamento.

Sacerdote: Não credes nos escritos dos pais e nos decretos dos Concílios?

Voes: Sim, se concordam com a Escritura.

Sacerdote: Não fostes seduzidos por Lutero?

Voes: Ele nos seduziu da mesma forma em que Cristo seduziu os apóstolos; isto é, não fez conscientes da fragilidade de nossos corpos e do valor de nossas almas.

Este interrogatório foi suficiente. Ambos foram condenados às chamas, e pouco depois padeceram com aquela varonil fortaleza que corresponde aos cristãos quando recebem a coroa do martírio.

Henrique Sutphen, um predicador eloqüente e piedoso, foi tirado de sua cama em meio da noite, e obrigado a caminhar descalço um longo trecho, de modo que seus pés ficaram terrivelmente cortados. Pediu um cavalo, mas os que o conduziam disseram com escárnio: "Um cavalo para um herege! Não, não, os hereges podem andar descalços". Quando chegou no lugar de seu destino, foi condenado a morrer queimado; porém durante a execução se cometeram muitas indignidades contra ele, porque os que estavam junto dele, não contentes com o que sofria com as chamas, o cortaram e rasgaram da forma mais terrível.

Muitos foram assassinados em Halle; Middleburg foi tomado ao assalto, e todos os protestantes foram passados a faca, e muitos foram queimados em Viena.

Enviado um oficial a dar morte a um ministro, pretendeu, ao chegar, que somente queria visitá-lo. o ministro, que não suspeitava suas cruéis intenções, homenageou seu suposto convidado de modo muito cordial. Tão logo como a comida acabou, o oficial disse a uns de seus acompanhantes: "Pegai este clérigo, e enforcai-o". os mesmos acompanhantes ficaram tão atônitos após as cortesias que tinham visto, que vacilaram ante as ordens de seu chefe. O ministro disse: "Pensai no aguilhão que ficará em vossa consciência por violar desta maneira as leis da hospitalidade". Porém o oficial insistiu em ser obedecido, e os companheiros, com repugnância, cumpriram o execrável ofício de verdugos.

Pedro Spengler, um piedoso teólogo, da cidade de Schalet, foi lançado no rio e afogado. Antes de ser conduzido à beira do rio que seria seu túmulo, o expuseram na praça do mercado, para proclamar seus crimes, que eram não ir a missa, não confessar-se, e não crer na transubstanciação. Terminada esta cerimônia, ele fez um discurso excelente ao povo, e terminou com uma espécie de hino de natureza muito edificante.

Um cavalheiro protestante foi sentenciado à decapitação por não renunciar a sua religião, e foi animoso ao lugar de sua execução. Acudiu um frade a seu lado, e lhe disse estas palavras em voz muito baixa: "Já que tendes grande repugnância em abjurar em público de vossa fé, sussurrai vossa confissão em meu ouvido, e eu vos absolverei de vossos pecados". A isto o cavalheiro replicou em voz alta: "Não me incomodes, frade, tenho confessado meus pecados a sem, e tenho obtido a absolvição pelos méritos de Jesus Cristo". Depois, dirigindo-se ao carrasco, disse: "Que não me incomodem estes homens; cumpre teu ofício". E sua cabeça caiu de um só golpe.

Wolfgang Scuch e João Ruglin, dois dignos ministros, foram queimados, como também Leonard Keyser, um estudante da Universidade de Wertembergli; e Jorge Carpenter, bávaro, foi enforcado por recusar detratar-se do protestantismo.

Tendo-se acalmado as perseguições na Alemanha durante muitos anos, voltaram a desencadear-se em 1630, devido à guerra do imperador contra o rei da Suécia, porque este era um príncipe protestante, e portanto os protestantes alemães defenderam sua causa, o que exasperou enormemente o imperador contra eles.

As tropas imperiais puseram sítio à cidade de Passewalk (que estava defendida pelos suecos) e, tomando-a por assalto, cometeram as mais horríveis crueldades. Destruíram as igrejas, queimaram as casas, saquearam os bens, mataram os ministros, passaram a guarnição à espada, enforcaram os cidadãos, estupraram as mulheres, afogaram as crianças, etc., etc.

Em Magdeburgo teve lugar uma tragédia mais que sanguinária, no ano 1631, tendo os generais Tilly e Pappenheim tomado aquela cidade protestante ao assalto, houve uma matança de mais de vinte mil pessoas, sem distinção de nível, sexo ou idade, e seis mil mais foram afogadas em sua tentativa de fugir pelo rio Elba. Depois de apaziguar-se esta fúria, os habitantes restantes foram despidos, açoitados severamente, cortadas suas orelhas e, amarrados em jugos como bois, foram soltos.

A cidade de Roxter foi tomada pelo exército papista, e todos seus habitantes, assim como a guarnição, foram passados à faca; até as casas foram incendiadas, e os corpos consumidos pelas chamas.

Em Griphenberg, quando prevaleceram as tropas imperiais, encerraram os senadores na câmara do senado, e os asfixiaram rodeando-a com palha acesa.

Franhendal se rendeu sob uns artigos de capitulação, mas seus habitantes foram tratados tão cruelmente como em outros lugares; e em Heidelberg muitos foram lançados no cárcere e deixados ali para morrer de fome.

Assim se enumeras as crueldades cometidas pelas tropas imperiais, sob o conde Tilly, na Saxônia:

Estrangulação pela metade, recuperação das pessoas, e volta a começar. Aplicação de afiladas rodas sobre os dedos das mãos e dos pés. Aprisionamento dos polegares em tornos de banco. O forçamento das coisas mais imundas pela garganta, pelas quais muitos eram afogados. O prensado com cordas em volta da cabeça de forma tal que o sangue brotava dos olhos, o nariz, os ouvidos e a boca. Fósforos acesos ardendo nos dedos das mãos e dos pés, nos braços e pernas, e até na língua. Colocar pólvora na boca, a acendê-la, com o qual a cabeça voava em pedaços. Amarrar sacolas de pólvora por todo o corpo, com o que a pessoa era destrocada pela explosão. Amarrar e puxar cordas que atravessavam as carnes. Incisões na pele com instrumentos cortantes. Inserção de arames através do nariz, dos ouvidos, lábios, etc. pendurar os protestantes pelas pernas, com suas cabeças sobre um fogo, com o qual ficavam secados pelo fogo. Pendurá-los de um braço até que ficasse deslocado. Pendurá-los de ganchos através das costelas. Obrigá-los a beber até a pessoa arrebentar. Cozer a muitos em fornos ardentes. Fixação de pesos nos pés, subindo a muitos juntos numa polia. A forca, asfixia, assar, apunhalar, fritar, o potro, o estupro, destripar, o quebrantamento dos ossos, o esfolamento, o esquartejamento entre cavalos indômitos, afogamento, estrangulação, cocção, crucifixão, envenenamento, cortes de línguas, narizes, orelhas, etc., emparedar, serrar os membros, trucidamento a machadadas e arrastar dos pés pelas ruas.

Estas enormes crueldades serão uma ultrajem perpétua sobre a memória do conde Tilly, que não somente cometeu senão que mandou as tropas a pô-las em prática. Ali onde chegava seguiam as mais horrendas barbaridades e cruéis depredações; a fome e o fogo marcavam seus avanços, porque destruía todos os alimentos que não podia levar consigo, e queimava todas as cidades antes de deixá-las, de modo que o resultado pleno de suas conquistas eram o assassinato, a pobreza e a desolação.

A um ancião e piedoso teólogo o desnudaram, o amarraram de boca para acima sobre uma mesa, e amarraram um gato grande e feroz sobre seu ventre. Depois beliscaram e atormentaram o gato de tal modo que em sua fúria abriu o ventre e remordeu as entranhas.

Outro ministro e sua família foram aprisionados por estes monstros desumanos; estupraram a mulher e a filha diante dele, encravaram seu filho recém nascido na ponta de uma lança, e depois, rodeando-o de todos seus livros, acenderam o fogo, e foi consumido em meio das chamas.

Em Hesse-Cassel, algumas das tropas entraram num hospital, onde havia principalmente mulheres loucas, e despindo aquelas pobres desgraçadas, as fizeram correr pela rua a modo de diversão, dando depois morte a todas.

Na Pomerânia, algumas das tropas imperiais que entraram numa cidade pequena tomaram a todas as mulheres jovens, e a todas as moças de mais de dez anos, e colocando seus pais num círculo, lhes ordenaram cantar Salmos enquanto eles estupravam suas meninas, dizendo-lhes que se assim não o faziam, as despedaçariam depois. Depois tomaram a todas as mulheres casadas que tinham crianças pequenas, e as ameaçaram que, se não consentiam a gratificar seus desejos, queimariam seus filhos diante delas num grande fogo, que haviam acendido por isso.

Um bando de soldados do conde Tilly se encontrou com um grupo de mercadores de Basiléia, que voltava do grande mercado de Estrasburgo, e tentaram rodeá-los. Contudo, todos fugiram, exceto dez, deixando seus bens abandonados. Os dez que foram tomados rogaram muito por suas vidas, mas os soldados os assassinaram dizendo: "Deveis morrer, pois sois hereges e não tendes dinheiro".

Os mesmos soldados encontraram duas condessas que, junto com algumas jovens damas, as filhas de uma delas, estavam dando um passeio num landó [2]. Os soldados lhes perdoaram a vida, porém as trataram com a maior indecência, e, deixando-as completamente nuas, mandaram o cocheiro prosseguir a viagem.

Por mediação da Grã Bretanha, se restaurou finalmente a paz na Alemanha, e os protestantes permaneceram sem ser incomodados durante vários anos, até que se deram novas perturbações no Palatinado, que tiveras estas causas:

A grande Igreja do Espírito Santo, em Heidelberg, tinha sido compartida durante muitos anos pelos protestantes e católico-romanos desta maneira: os protestantes celebravam o serviço divino na nave ou corpo da igreja; os católico-romanos celebravam a missa no coro. Embora este tinha sido o costume desde tempos imemoriais, o eleitor do Palatinado, finalmente, decidiu não permiti-lo mais, declarando que como Heidelberg era sua capital, e a Igreja do Espírito Santo a catedral de sua capital, o serviço divino devia ser executado somente segundo os ritos da Igreja da qual ele era membro. Então proibiu aos protestantes entrarem na igreja, e deu aos papistas sua inteira posse.

O povo, ultrajado, apelou aos poderes protestantes para que lês fosse feita justiça, o que exasperou de modo tal o eleitor que suprimiu o catecismo de Heidelberg. Contudo, os poderes protestantes acordaram unânimes exigir satisfações, porquanto o eleitos, com sua conduta, tinha quebrantado um artigo do tratado de Westfalia; também as cortes da Grã Bretanha, Prússia, Holanda, etc., enviaram embaixadores ao eleitor, para expor-lhe a injustiça de seu proceder, e para ameaçá-lo que, caso não mudasse sua conduta para com os protestantes do Palatinado, eles tratariam também seus súbditos católico-romanos com a maior severidade. Tiveram lugar muitas e violentas disputas entre os poderes protestantes e os do eleitor, e estes se viram muito incrementados pelo seguinte incidente: estando a carruagem de um ministro holandês diante da porta do embaixador residente enviado pelo príncipe de Hesse, uma companhia apareceu levando a hóstia à casa de um doente; o cocheiro não prestou a menor atenção, coisa que foi observada pelos portadores da hóstia, e o fizeram descer de seu assento, obrigando-o a pôr joelho no chão. Esta violência contra a pessoa de um criado de um ministro público foi mal vista por todos os representantes protestantes; e para aguçar ainda mais as diferenças, os protestantes apresentaram aos representantes três artigos de queixa:

1) Que se ordenavam execuções militares contra todos os sapateiros protestantes que recusavam contribuir com as missas de são Crispino.

2) Que aos protestantes se proibia trabalhar nos dias santos dos papistas, inclusive na época da colheita, sob penas muito severas, o que ocasionava graves inconvenientes e causava graves prejuízos às atividades públicas.

3) Que vários ministros protestantes tinham sido desapossados de suas igrejas, sob a pretensão de terem sido fundadas e edificadas originalmente por católico-romanos.

Finalmente, os representantes protestantes ficaram tão taxativos como para insinuar ao eleitor que a força das armas ia obrigá-lo a fazer a justiça que tinha negado a sua embaixada. Esta ameaça o voltou à razão, pois bem conhecia a impossibilidade de empreender uma guerra contra os poderosos estados que o ameaçavam. Portanto, acedei a que a nave da Igreja do Espírito Santo fosse devolvida aos protestantes. Restaurou o catecismo de Heidelberg, tornou a dar aos ministros protestantes a possessão das igrejas das que tinham sido desapossados, permitiu aos protestantes trabalhar nos dias santos dos papistas, e ordenou que ninguém fosse incomodado por não ajoelhar-se quando passar a hóstia a seu lado.

Estas coisas as fez por temor, mas para mostrar seu ressentimento contra seus súbditos protestantes, em outras circunstâncias nas que os poderes protestantes não tinham direito de interferir, abandoou totalmente Heidelberg, traspassando todas as cortes de justiça a Mannheim, que estava totalmente habitada por católico-romanos. Do mesmo modo edificou ali um novo palácio, fazendo dele seu lugar de residência; e, seguido pelos católicos de Heidelberg, Mannheim se converteu num local florescente.

Enquanto isso, os protestantes de Heidelberg ficaram sumidos na pobreza, e muitos ficaram tão angustiados que abandonaram seu país nativo, buscando asilo nos estados protestantes. Um grande número destes foram para a Inglaterra, em tempos da Rainha Ana, onde foram cordialmente recebidos, e encontraram a mais humanitária ajuda, tanto de doações públicas como privadas.

Em 1732, mais de trinta mil protestantes foram expulsos do arcebispado de Salzburgo, em violação do tratado de Westfalia. Saíram no mais duro do inverno, com apenas as roupas suficientes para cobri-los, e sem provisões, sem permissão para levar nada com eles. Ao não ser acolhida a causa destes coitados por aqueles estados que teriam podido obter reparações, emigraram a vários países protestantes, e se assentaram em lugares onde puderam gozar do livre exercício de sua religião, sem dano para suas consciências, e vivendo livres das redes da superstição papal, e das correntes da tirania católica.




[1] Título de honra e dignidade de alguns grandes senhores da Alemanha (N. da T.).


[2] Carro de quatro rodas, con capota dianteira e traseira (N. da T.)

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